Comentário sobre Diana sorprendida (Diane surprise)
Au bruit qui vient des bois, Diane s’est dresséFrémissante; et la troupe, autor d’elle empresséeDe ses nymphes sortant de l’eau, blanches de peur,Jette un voile hâtif à sa fière pudeur.Com estas palavras o crítico, poeta y funcionário Georges Lafenestre apresentava a
Diane surprise de Jules Lefebvre no catálogo do Salão de 1879 (1). Incluir poemas não era um recurso habitual no volume que se limitava a menção dos artistas participantes e os títulos das obras apresentadas. Os versos falavam então, não somente do gosto pessoal do crítico e da estética oficial do momento – Lafenestre era membro do Ministère de l’Instruction Publique et des Beaux-Arts–, se não também da importância do quadro e do artista em dito contexto. No catálogo, Lefebvre era apresentado como aluno de Léon Cogniet, ator preponderante no ensino acadêmica Frances em meados do século XIX, e figurava como
hors concours já que havia obtido medalhas nos salões de 1865 e 1868 e em 1870 foi nomeado Cavalheiro da Legião de Honra pela sua obra
La Vérité exibida então no Museu de Luxemburgo (hoje no Musée d’Orsay, París). Também, desde 1875 Lefebvre atuava como membro regular do júri do Salão. Toda uma sólida carreira dentro da arte acadêmica que incluía além de tudo o passo pela Vila Medici de Roma (1861-1867) onde a impronta de Ingres seguia vigente (2).
Esta trajetória colocava-se em jogo nesta grande obra de Lefebvre, pensada pelo o próprio artista como um
tour de force de sua produção. Neste sentido, Jules Claretie aponta que o artista esteve entre dois a três anos dedicando-se a aperfeiçoar esta pintura, “a obra de sua predileção”, ao ponto que não chegou a considera-la terminada para a Exposição Universal de Paris de 1878 e dedicou enviar obras já exibidas com as que obtiveram uma medalha de primeiro lugar (3).
À simples vista, é evidente que se há invertido muito trabalho na composição e as carnações das protagonistas da
Diane surprise. Ao multiplicar por sete os nus femininos, Lefebvre subia a aposta de seus envios ao Salão dos anos prévios. Referimo-nos, por exemplo, a já mencionada
Vérité, la
Cigale (Salão de 1872, National Gallery of Victoria, Melbourne) ou
Pandora (Salão de 1877, inv. 2872, MNBA). Todas essas obras mostram nus femininos frontais; no caso da
Cigale e
Pandora de corpos quase púberes, altamente idealizados. A pele é perolada graças ao intenso trabalho de veladuras. As penugens e qualquer marca corporal foram apagadas, mas sua ausência não habilita a exibição do sexo que aparece velado. Não obstante, o olhar penetrante destas meninas e sua posição indefinida entre crianças e mulheres as transformam em verdadeiras
femmes fatales que conduzem a explícita projeção do desejo.
Surpreendida por um suposto observador que não se mostra no quadro, Diana caçadora e seu cortejo tentam cobrir-se pudicamente, sem conseguir no gesto ocultar a maioria dos atributos de seus corpos perolados. Em realidade, esta aludida presença masculina não era mais que uma desculpa moralizante para legitimar a exibição de tantos nus, assim como o eram as flechas e o cervo morto e a pequena lua sobre a testa de Diana, atributos que legitimam o título e passam despercebidos. A idealização e o polido dos corpos são muito grandes, observa-se, por exemplo, o pie impoluto da ninfa de costas que não guarda rastro algum de barro ou pasto. A lição de Ingres foi aprendida: A linha desenha e prende os corpos, o modelado das carnes é sutilíssimo ao ponto que resultam superfícies de cor quase homogéneo com escassa gradação de luz.
Uma das duas meninas que aparecem parcialmente cobertas, a do extremo direito, dirige seu olhar para um lugar indefinido, abstraída do que sucede ao seu arredor. Seu semblante pré-anuncia a presença inquietante das criaturas perturbadas tão caras aos simbolistas y decadentistas do fim do século, rasgo que também é extensível ao violento e abundante cabelo vermelho de Diana.
O artificio dessa pintura foi indicado tanto por seus defensores como por sues críticos, já que para ser eficaz esse artificio, devia, além de ser verosímil, ser evidente. O grande esforço de composição, de colorido, de modelado e de desenhos invertidos no quadro não deviam passar despercebidas, essa era a carta forte, e a razão de ser, da arte acadêmica.
Jules Castagnary resgatou a pintura, comparando o seu autor com o outro grande referente da tradição acadêmica, William Bouguereau, ao auspiciar que era por ambos os mestre que este tipo de arte “poderia viver, se é que não estava anémico desde seu nascimento e fatalmente condenado” (4). Por sua parte, um escritor naturalista e crítico acérrimo dos pintores acadêmicos como J.-K. Huysmans insultou o quadro afirmando que se tratava de una arte “oca e vazia” de “deusas fabricadas sobre versos de poetas de folheto” (5).
No salão de 1879, a obra foi adquirida pelo colecionador inglês Duncan, quem segundo Claretie havia “arrebatado a Diana que deveria honrar e enriquecer nosso Luxemburgo”. No marco da Exposição Universal de 1889, na que Lefebvre figurou como membro do júri de admissão, a obra foi novamente exibida e foi talvez neste contexto onde a visse José Prudencio de Guerrico e a comprou de Boussod, Valadon et Cie., pagando o alto valor de 27.500 francos (6). A obra, cujo traslado e instalação em Buenos Aires custaram esforço e dinheiro, transformaram-se em uma das peças emblemáticas de sua coleção. Foi pendurada na parede central do hall de sua residência sobre a Rua Corrientes e converteu-se na protagonista inegável de todas as tertúlias e saraus que se celebravam frequentemente em sua casa-museu.
por María Isabel Baldasarre
1— Explication des ouvrages de peinture, sculpture, architecture, gravure et litographie des artistes vivants exposés au Palais des Champs-Élysées. Paris, Imprimerie Nationale, 1879, p. 154.
2— Ingres havia dirigido a Academia de França em Roma entre 1835 e 1840. Para os detalhes da formação academica ao momento de viajar de Lefebvre, cf. Maestà di Roma. D’Ingres à Degas. Les artistes français à Rome, cat. exp. Milao, Electa, 2003, VII.
3— Claretie, 1884, p. 359.
4— Castagnary, 1892, p. 364.
5— Huysmans, 1879, p. 28.
6— O preço da Diana superava em cinco e seis vezes os valores pagos esse mesmo ano por Guerrico por outras pinturas, de menor tamanho, de artistas como Eugène Isabey, Antoine Vollon ou Gustave Courbet. Como referencia, para essa data o m2 não construído em um bairro como Notre-Dame custava 622 francos.
Bibliografía
1882-1885. BELLIER DE LA CHAVIGNERIE, Émile, Dictionnaire général des artistes de l’École français depuis l’origine des arts du dessin jusqu’à nos jours: architectes, peintres, sculpteurs, graveurs et lithographes. Paris, Librairie Renouard, t. 1, p. 967.
1884. CLARETIE, Jules, Peintres et sculpteurs contemporains. Deuxième série. Artistes vivants en 1881. Paris, Librairie des Bibliophiles, vol. 2, p. 357-362.
1892. CASTAGNARY, Jules-Antoine, Salons. 1872-1879. Paris, G. Charpentier et E. Fasquelle, t. 2, p. 364.
1908 [1879]. HUYSMANS, J.-K., “Le Salon de 1879” en: L’art moderne. Paris, Librairie Plon, p. 28.
1938. DA ROCHA, Augusto, “La Colección de Guerrico no Museu Nacional”, La Ilustración Argentina, Buenos Aires, nº 15, [s.p.].
1988. OLIVEIRA CÉZAR, Lucrecia de, Los Guerrico. Buenos Aires, Gaglianone, p. 56, reprod. color p. 57.
2006. BALDASARRE, María Isabel, Los dueños del arte. Coleccionismo y consumo cultural en Buenos Aires. Buenos Aires, Edhasa, p. 152-153, 155, reprod. color nº 61. — BALDASARRE, María Isabel, “Sobre los inicios del coleccionismo y los museos de arte en la Argentina”, Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, vol. 14, nº 1, enero-junio, reprod. color p. 302.