Comentário sobre Introdução à esperança (Introducción a la esperanza)
Para vários historiadores e teóricos de arte, em meios do século XX certos sintomas do meio artístico internacional sinalaram o esgotamento do ciclo moderno da arte. Em Buenos Aires, Ernesto Deira, um dos artistas do grupo conhecido como
Nueva Figuración, junto a Jorge de la Vega, Rómulo Macció e Luis Felipe Noé, o definiu assim: “Desde a Segunda Guerra Mundial houve um estouro da pintura. Vários dos movimentos desse momento tomavam em conta uma parte da pintura: ou bem o gesto, ou bem a matéria”. Para Noé, quem além de realizar teorias sobre sua própria obra e a do grupo, esse preciso momento da historia da arte do século XX foi o final do “
strip-tease da Deusa Pintura”. Esta “divindade” representava para Noé a tradição da pintura tal como foi entendida partindo do Renascimento com seus atributos de perspectiva centralizada, espaço ilusionista, tratamento volumétrico das formas, o desenho como limite dos volumes e a cor subordinada a tudo isso. A desconstrução daquela convenção - ou o citado
strip-tease– começou com o romanticismo a princípios do século XIX e terminou a meados do século XX, quando somente a pincelada e o gesto que a operava gritaram sua evidencia: “A Pintura está nua!”, segundo o próprio Noé.
A Argentina não teve nem um artista como Marcel Duchamp nem um movimento como o dadaísmo, que houvesse produzido uma revolução interna dentro da “instituição arte”, o qual inclui a correspondente noção de ante-arte. Em Buenos Aires, isso começou com a falta de formalidade que marcaria uma ruptura até 1956. A partir de então os acontecimentos se deram em cadeia: a primeira arte de ação de Alberto Greco, a arte destrutiva de Kenneth Kemble e a
Nueva Figuración. O objetivo dos neo-figurativos foi buscar una nova imagem dos seres humanos (do homem, disseram naquele momento) com seu contexto. Conjugaram os elementos mais diversos partindo daquele “estouro da pintura”.
Noé e De la Vega foram quem levaram mais longe a atitude conceitual do grupo. Entre ambos gestaram uma ruptura estrutural que mais tarde Noé chamaria “visión quebrada”. Impuseram uma subversão no que ainda poderia ficar dos códigos pertencentes à tradição da pintura. Estas propostas começaram em 1962 na viagem dos quatro integrantes a Paris.
Desde 1960 até o presente a poética de Noé tem girado em torno ao término “caos” como objetivo conceitual. Seu modo de leva-lo a pratica naquele momento compreendeu uma escalada de radicalização, e consistiu na desestruturação do suporte pictórico em um paulatino
crescente. A primeira instancia desse uso foi à ideia de “quadro dividido”, tal como o artista o chamou, e consistiu em uma divisão simples do retângulo sustentado pelo bastidor. Mas, em gestos cada vez maiores, a divisão não somente continuou, se não que cresceu com o agregado e a oposição da estrutura para combinações múltiplas e diversas.
Para Noé o término “caos” possui um sentido histórico e filosófico que se expressa, entre outros meios, através da arte. Ele refere à realidade, como multiforme e caótica. Para terminar de defini-lo, se isso é possível, adotou uma ideia de Fernando Maza: “O caos não existe, o que acontece é que chamamos caos a algo que carecemos de possibilidades para entendê-lo” (1).
Introducción a la esperanza é um dos exemplos mais emblemáticos daquele não tão prolongado mas intenso processo, e se posiciona na metade desse transcurso, que culminaria em janeiro de 1966 com sua exposição individual na galeria Bonino de Nova York.
Nesta obra conservou o retângulo pictórico na parte inferior e somou outras estruturas, que ao emergir da anterior, exercem uma oposição estrutural com a parte inferior. A temática da obra colaborou em grande medida com a materialização do objetivo de Noé; uma protesta política típica da época foi à desculpa mais adequada para projetar essa desestruturação formal. A manifestação expressionista de figuras em branco e preto entre a petição e a desesperação recorda a modo de James Ensor. O gráfico das solicitações, os cartéis as protestam o emergir do formato habitual potenciam a eloquência e a vitalidade dos discursos populares.
Introducción a la esperanza foi apresentada no concurso nacional do Instituto Torcuato Di Tella de 1963 junto a outras obras de sua autoria, e obteve o Premio Nacional de Pintura, ao tempo que Rómulo Macció ganhava a distinção internacional desse certâmen. No catálogo Noé escreveu como já era de costume, sobre sua proposta artística desse período. Lá dava conta de seu próprio giro nesse processo: antes da viagem a Europa concebia na “nueva figuración”, fundada no término “relação”, a fusão de atmosferas entre os personagens. A partir dos novos resultados de sua pesquisa experimental entendia que a relação devia ser “por opção” e assim havia chegado a conceber obras como a que tratamos. Devia romper-se a unidade primigênia do quadro por oposição ou tensão, e isso foram o que conseguiu nesta obra.
O processo que se acentuou com
Introducción a la esperanza continuou durante os anos 1964 e 1965. Em 1964 viajou a Nova York por primeira vez. Nessa cidade o crítico Lawrence Alloway, curador do
Solomon R. Guggenheim Museum e criador do término pop art, quem havia estado em Buenos Aires, visitou o atelier de Noé e lhe disse que o que ele estava fazendo era utilizar “o caos como estrutura da obra”. Noé adotou esse conceito ao sentir-se identificado de maneira plena com ele. Naquela oportunidade começou a escrever sua
Antiestética, livro que publicou ao ano seguinte.
Em 1965 organizou
Noé+experiencias colectivas no Museu de Arte Moderno de Buenos Aires. Essa oportunidade declarou que seu objetivo hipotético era uma acumulação de obras que poderia chegar ao infinito, e com esse sentido convidou a vários artistas amigos a somas suas produções.
Em janeiro de 1966 organizou uma exposição na galeria Bonino de Nova York, onde apresentaram uma instalação de obras, algumas delas com bastidores quebrados, entrecruzados, etc., que optou finalmente por jogar ao rio Hudson, fechando assim uma grande etapa de sua produção. Sua angustiosa procura conceitual chagava a um fim, pois tomou em seguida à decisão de não pintar, o qual produziu um hiato de nove anos em seu desenvolvimento pictórico específico. Declarou que a pintura o havia abandonado, porque já não podia constituir-se na ferramenta adequada para refletir o caos circundante.
por Mercedes Casanegra
1— Luis Felipe Noé, Antiestética. Buenos Aires, Ediciones de la Flor, 1988, p. 198.
Bibliografía
1988. CASANEGRA, Mercedes, Noé. El color y las artes plásticas. Buenos Aires, Alba, p. 44, reprod. color p. 45.
1993. GLUSBERG, Jorge y Luis Felipe Noe, Lectura conceptual de una trayectoria. Buenos Aires, CAYC, p. 27 (esquema da obra).
2001. GIUNTA, Andrea, Vanguardia, internacionalismo y política. Arte argentino en los años sesenta. Buenos Aires, Paidos, p. 201- 202, reprod. byn p. 202.
2005. AMIGO, Roberto, “Letanias en la Catedral. Iconografia cristiana y politica en la Argentina: Cristo obrero, Cristo guerrillero, Cristo desaparecido” em: Mario Sartor (ed.), Studi Latinoamericani/Estudios Latinoamericanos, Udine, Forum, n. 1, p. 184-227.
2009. LEBENGLIK, Fabian, Luis Felipe Noé en la Bienal de Venecia 2009. Buenos Aires, Ministério de Relações Exteriores, Comercio Internacional e Culto, [s.p.].