Comentário sobre Retrato de mujer joven (Retrato de mulher jovem)
Este busto de mulher jovem que se dirige para a esquerda inclinando ligeiramente sua cabeça para olhar ao observador foi tradicionalmente identificado como o de Lisbeth, irmã de Rembrandt. Usa uma fileira de grandes pérolas em seu pescoço e joias em seu cabelo ruivo, também um triple corrente de oro sobre seu abrigo de cor vermelho vinho. Sua figura se ilumina com uma luz que cai desde um foco alto situado a direita e contrasta com o fundo escuro.
Não existe nenhuma razão para aceitar a identificação mencionada, algo que possivelmente surgiu no século XIX e esta obra, antes que um retrato, é um tipo de obra corrente nas primeiras décadas del século XVII e que foi praticada por Rembrandt assim como por seus alunos. Trata-se de uma tronie (1), “rosto” em holandês, nome com que se designa a estas pinturas de tamanho pequeno que foram entendidas como uma obra independente. Mostram uma cabeça ou busto e servem para que um artista pusesse em jogo suas habilidades na representação de um rosto, seus rasgos e gestos, assim como as dos géneros, joias e objetos que os vestem e adornam. Servem como um elemento de estudo que permite aos estudantes aprender os modos de representar carnações e outras texturas, assim como questões vinculadas a cor e a luz. Foram realizadas a partir de modelos vivos que em muitos casos podiam ser os mesmos estudantes de um atelier ou mulheres e homens, jovens e anciãos que aparecem em poses especiais, às vezes gesticulando de modo singular e usando roupas exóticas que originaram títulos também vistosos como “jovem pastora”, “velho soldado oriental”, “ hierarca turco”, etc. Rembrandt se usou a si mesmo em muitos casos. Mas sempre são estudos similares em algum modo a aqueles que chamamos “acadêmicos” (q.v. inv. 661), Ainda que a diferença destes nunca fosse pensada para servir ulteriormente na composição de tema histórico ou religioso como sucedia, por exemplo, no atelier de Rubens. No atelier de Rembrandt muitas vezes seus alunos pintaram
tronies baseadas em obras suas como prática na aprendizagem do estilo do mestre. Em certos casos, a pintura podia ser assinada pelo maestro e também vendida como própria, já que segundo a prática corrente no século XVII, o produzido pelos alunos era propriedade do mestre.
Por seu aspecto geral nossa obra pode associar-se com as
tronies que o artista realizou a começos dos anos 1630; as luzes e sombras, o tipo “rubensiano” de rosto de olhos saltados e papo marcado que o artista produz justamente em torno de 1633 ou 1634, data que se lê na obra, assim como por alguns aspectos de uso de cor, como “as relações de morrões e cinzas com a cor das carnações [e], o modo em que os olhos estão modelados e os pálpebras delineadas” (2).
No entanto, a observação de alguns detalhes desperta certas dúvidas em quanto à autoria. O fundo se apresenta como um plano carente das modulações que criam uma atmosfera capaz de conter a figura como Rembrandt faz com seus retratados. Também a luz da obra há chamado a atenção, pois se bem impressiona como a de Rembrandt, aqui cai, como dissemos, desde um foco alto situado a direita, o que quebra o uso corrente do artista que à faz incidir desde um foco situado em um ponto oposto (3). Em nosso caso aparecem sombras arrojadas pelo nariz e a mandíbula como assim também uma discreta área no templo e a bochecha direita, ao contrario do que sucede com o outro caso onde as sombras se reduzem favorecendo a visão do retratado. Também se deve contar que nesta época o artista usa a madeira como suporte antes que a tela d nossa obra. Finalmente, Tem-se dito que a assinatura “apresenta uma forma geral não aceitável e as formas da t, e o 3 e o 4 diferenciam das habituais em Rembrandt”. Estas considerações do Rembrandt Research Project levaram a considera-la “não autêntica… [e realizada] por um artista desconhecido, durante o século XVII” (4).
Uma conclusão similar foi exposta por J. W. von Moltke para o
Retrato de mulher com véu (5) que figurava como Rembrandt e foi atribuído a Govaert Flinck (1615-1660) em 1965 quando sinalou que a retratada “recordava ao
Retrato de sua irmã de Rembrandt de 1633 em uma coleção privada de Sul América”, essa é, nossa obra. Anos mais tarde, também Werner Sumowski atribuiu tanto o retrato de Raleigh como a nossa obra a Flinck, datando-o em meados de 1630 (6).
Sabemos que Flinck ingressou ao atelier de Rembrandt em qualidade de ajudante em 1633 (7), papel que ainda não há sido totalmente estudado. Sabemos também que assinou como pintor Independiente a partir de 1636. Por isso caberia nos preguntar onde e em que condições foi realizada nossa obra. Acreditamos que esta
tronie sem dúvida foi realizada no atelier de Rembrandt na data que nela aparece. Em quanto à luz diferente, pensamos que pode ser entendida como fruto de um experimento, finalidade não descartada em este tipo de obra. Seu autor, a partir dum estilo que conhece se permite uma variação que só pode realizar um hábil e talentoso criador. Em quanto à assinatura do mestre, não se afasta do aceitado, reconhecendo a concepção da obra e talvez pequenos aspectos de sua realização, algo que ainda fica para estudar. Recordemos também que segundo A. Houbraken, “diversas obras [de Flinck] foram tomadas por genuínas de Rembrandt e vendidas como tales” (8). Catalogada “Círculo de Rembrandt” em 1994, em 2002 introduzimos o nome de Govaert Flinck como possível autor. Estas calcificações cambiantes fazem imperante um novo estudo da obra que nos ajuda a conhecer melhor esta
tronie que, como dissemos, acreditamos que foi produzida por um aluno do atelier de Rembrandt - possivelmente Flinck–,e talvez pelo mesmo mestre. Por isso estimamos prudente manter ela como obra de Rembrandt e seu atelier.
por Ángel M. Navarro
1— Ver: Dagmar Hirschfelder, “Portrait of Character Head? The Term ‘tronie’ and its Meaning in the Seventeenth Century” em: The Mystery of the young Rembrandt, cat. exp. Wolfratshausen, Edition Minerva, 2001, p. 82-91.
2— As considerações que anotamos em nossa entrada procedem de Bruyn, 1986. Trata-se do produzido pelo Rembrandt Research Project, grupo que estudou por última vez a obra.
3— Isso também sucede em outras poucas obras, como no retrato de Jacques de Gheyn III, Dulwich Picture Gallery, Londres, nº A56, em Bruyn, 1986. Na maioria das obras a luz provoca que o lado esquerdo do rosto se veja ligeiramente em sombras enquanto as sombras arrojadas pelo nariz cortam a cara em dois. Ver: Bruyn, 1986, p. 693.
4— Ibidem.
5— North Carolina Museum of Art, Raleigh, tabla, 53,4 x 40,6 cm, inv. G.L. 58.15.1. Ver J. W. von Moltke, Govaert Flinck, 1615-1660. Amsterdam, M. Hertzberger, 1965, nº 346, p. 137, reprod. p. 138. O datou ca. 1639-1642.
6— Gemälde der Rembrandt Schüler. Landau-Pfalz, 1983, vol. 2, nº 688, p. 1036, reprod. p. 1120.
7— S. Slive, Dutch Painting 1600-1800. New Haven/London, Yale University Press, 1995, p. 105.
8— A. Houbraken, De groote schouburg der Nederlantsche konstschilders en schilderessen. Amsterdam, 1718-21, vol. 2, p. 21.
Bibliografía
1906. ROSENBERG, A., Rembrandt. Stuttgart/Leipzig, Klassiker der Kunst, nº 51. 1908. VALENTINER, W.R., Rembrandt. Stuttgart/Leipzig, Klassiker der Kunst, nº 62.
1915. HOFSTEDE DE GROOT, Cornelis, Beschreibendes und kritisches Verzeichnis der Werken der hervorragendsten holländischen Maler des XVII. Jahrhunderts. Esslingen/Paris, vol. 4, nº 691.
1935. BREDIUS, A., Rembrandt Gemälde. Wien, Phaidon-Verlag, nº 95. 1966. BAUCH, K., Rembrandt Gemälde. Berlin, Walter de Gruyter, nº 468.
1968. GERSON, H., Rembrandt Paintings. Amsterdam, Meulenhoff International, nº 143. 1969. LECALDANO, P., L’opera pittorica completa do Rembrandt. Milano, Rizzoli, nº 109.
1986. BRUYN, J. et al., A Corpus of Rembrandt Paintings. The Hague, M. Nijhoff, vol. 2, nº C60, p. 691-694. 1991. SUMOWSKI, W., Gemälde der Rembrandt Schüler. Landau-Pfalz, vol. 2, nº 688 y vol. 6, p. 1120.
1994. NAVARRO, Ángel M., A pintura holandesa e flamenca (século XVI ao XVIII) no Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires. Buenos Aires, Associação Amigos do MNBA, p. 148-150, reprod.
2001. NAVARRO, Ángel M., Mestres flamencos e holandeses (século XVI ao XVIII) no Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires. Buenos Aires, Associação Amigos do MNBA, p. 152-154, reprod. color. — NAVARRO, Ángel M., Flemish and Dutch Masters (from the XVIth to the XVIIIth century) at the National Museum of Fine Arts. Buenos Aires, Associação Amigos do MNBA, p. 152-154, reprod. color.