Comentário sobre Conceito espacial, Espera/+1-AS/O jardineiro está arrumando o jardim (59 T 140)
Concepto espacial é uma obra do começo da serie dos
“tajos” aquela que contribuiu com mais força a valorização de Lucio Fontana como um artista inovador, representante do experimentalismo materialista do pós-guerra. A obra pode-se analisar como a culminação de um período que o artista inicia durante os anos de sua estadia na Argentina, entre 1940 e 1947. Nestes anos, especialmente nos que seguem ao fim da guerra, Fontana se envolve com o clima experimental que animou as formações da vanguarda abstrata e, até certo ponto, com exibições que expressamente opunham-se ao assenso do peronismo que os setores ilustrados associavam ao regime deposto em Europa com o fim da Segunda Guerra Mundial. Participa assim com sua obra
La mujer de Lot no Salão Independiente, oposto ao Salão Nacional (identificado com as posições oficiais em assenso) realizado em paralelo à marcha da Constituição e da Liberdade. Fontana recorria rapidamente um itinerário que havia experimentado em Milão, com o assenso do fascismo, ao qual havia aderido, fundamentalmente, por seu apoio inicial a uma estética de renovação artística. É correto que também participa da revista
Vita Giovanile que, ainda que financiada pelo fascismo, se transformaria em um aparato de oposição ao sistema. Neste curto itinerário Fontana havia compreendido até que ponto a abstração podia atuar como uma estética de resistência (1).
Além da conjuntura política é interessante observar o fato de que quando Fontana regressa a Argentina alterna o realismo “académico” com uma linha mais expressionista. Fontana vivia, fundamentalmente, do ensino. Por outra parte como professor na Escola de Altamira, uma formação do ensino independente da que participam outros artistas, críticos e intelectuais como Emilio Pettoruti, Víctor Rebuffo, Jorge Romero Brest ou Gonzalo Losada. Ao mesmo tempo ensinava na
Escuela Nacional de Bellas Artes Manuel Belgrano. É precisamente com um grupo de estudantes desta escola com os que discutem o
Manifiesto blanco. Este foi escrito principalmente por Bernardo Arias, Horacio Cazeneuve e Marcos Fridman e dava forma às ideias de Fontana de trabalhar o espaço como matéria - algo que fazia quando levantava suas esculturas de argila quebrando as formas com as mãos–. Fontana desejava projetar uma pintura-escultura no espaço por meio de luzes. É então o clima de polémicas e enfrentamentos entre setores da vanguarda abstrata que se produzia em Buenos Aires que Fontana redefine ideias que se encontram em algumas de suas esculturas dos anos trinta e que tomaram forma quando voltaram a Milão, em 1947. Ainda que Fontana não figurasse entre os que assinaram o
Manifiesto blanco, foi ele quem inspirou, realizou e deu continuidade as ideais lá enunciadas.
Quando regressa a Milão, Fontana trabalha sobre a fusão entre matéria e espaço a partir da ideia de transformação. Por um lado, com as intervenções luminosas que apresenta na
Galleria del Naviglio em 1949 e na Trienal de Milão em 1951; por outra parte quando estabelece a perfuração como a base de sua nova linguagem. Entre a primeira perfuração e o primeiro talho transcorrem 10 anos nos que Fontana desenvolve series sucessivas e coexistentes que em seu conjunto constituem os
Conceptos espaciales:
Buchi,
Pietre,
Gessi,
Barocchi,
Tagli. Os talhos (
Tagli), que inicia em 1958, são um desenvolvimento das perfurações na argila, na tela, na cerâmica ou no papel, que se organizam em forma espiraladas ou em ritmos alinhados paralelamente. Os
Tagli são os cortes netos que agrupam em uma mesma tela ou que apresenta como um único talho, tal como ocorre na obra do MNBA. A proposta espacial postula a fusão do pensamento artístico e o pensamento científico. No entanto, a obra de Fontana se caracteriza pela preeminência do gesto e da matéria. Não dá conta de um planteio geométrico ou da proposta de um sistema baseado em fórmulas ou números. Os talhos são uma forma direta de trabalhar a ideia de um espaço novo entre a tela e o mundo real. Giulio Carlo Argan sinala: “A tela colorida era o espaço virtual que o gesto do artista, o corte ou talho, transmutava em invenção ou conceito espacial” (2).
Espera y
Naturaleza (inv. 7833, MNBA) dão conta das múltiplas experiências que Fontana desenvolveu em forma paralela. Por um lado, o corte neto com o que atravessa em forma longitudinal grande parte da extensão da tela retangular dando lugar ao retraimento da tela e a emergência de um espaço intermédio entre sua superfície e um atrás não específico, não determinado: não é o muro, não é parte de outra composição, é um vínculo escultórico entre a tela e o espaço que gera dobrando o corte e cobrindo a parte de atrás com uma peça fina de tela negra.
1959 é um ano central em sua obra. É então quando começa uma serie de esculturas em cerâmica que, em lugar de trabalhar sobre a superfície plana da tela, realiza sobre a massa corpórea e fresca da esfera profundas perfurações ou cortes. Sendo em cerâmica ou fundida em bronze, esta serie conserva a sensação imediata entre o bloque de matéria e a mão do artista que a penetra.
Muitas foram às associações que se fizeram entre suas perfurações, seus cortes e distintas possíveis referenciam: desde os céus argentinos, a violência dos subúrbios de Rosário durante sua infância ou da guerra europeia, até a comparação com os olhos escavados nas esculturas de Adolfo Wildt ou os estigmas nas mãos de Cristo que Fontana realiza para a tumba Castellotti de Milão, em 1935. Não existem explicações unívocas que permitam estabelecer somente um sentido para estas peças. O que se destaca é a potencia do gesto que assume uma forma visual única que caracteriza toda sua obra.
por Andrea Giunta
1— Andrea Giunta, “Crónica de posguerra: Lucio Fontana en Buenos Aires” em: Lucio Fontana: un seminario. Santiago de Chile, Pontificia Universidad Católica, 1998, p. 95-138. Também em: Lucio Fontana. Obras maestras de la colección Lucio Fontana de Milán, cat. exp. Buenos Aires, Fundação Proa, 1999, p. 72-87.
2— Giulio Carlo Argan em: Lucio Fontana, el espacio como exploración, cat. exp. Madrid, Palacio Velázquez, 1982, p. 114.
Bibliografía
1959. DORFLES, Gillo, Lucio Fontana, con opere dal 1931 al 1959. Milano, Conchiglia, fig. 16.
1962. Instituto Torcuato Di Tella 1960-1962, dos años y medio de actividad. Buenos Aires, Instituto Torcuato Di Tella, [s.p.].
1966. CIRLOT, Eduardo, Lucio Fontana. Barcelona, Gustavo Gili, p. 37, reprod.
1986. CRISPOLTI, Enrico, Fontana. Catalogo generale. Milano, Electa, vol. 1, p. 305.