Comentário sobre Jesús no Horto das Oliveiras (Jesús en el Huerto de los Olivos)
O Greco se formou nos ateliês cretenses, mas já em 1566 se trasladou a Venécia, onde modificou sua maneira post-bizantina para uma pintura com maior ênfase nos contrastes cromáticos e maior preocupação pelo manejo anatómico e espacial. Estas mudanças se afirmaram durante sua posterior permanência em Roma. Em 1576 se trasladou a Espanha e em 1577 está documentada sua presencia em Toledo, onde permaneceu até sua morte. Em esta cidade seu estilo evolucionou para uma síntese muito pessoal, no qual a cor e a pincelada adquirem um papel fundamental. Paralelamente introduziu alterações anatómicas cada vez mais radicais e colocou os personagens representados em espaços que desafiam as leis da perspectiva renascentista, sob os céus surcados por pontadas de luzes, em uma atmosfera estranha, quase irreal.
Na pintura do Museu, O Greco tratou um episodio do ciclo da Paixão de Cristo: a oração de Jesus no pomar das olivas previa a apreensão e a Crucificação. Em sua postura, se manteve fiel aos relatos evangélicos (Matheus 26, 36-46; Marcos 14, 32-42; Lucas 22, 39-46) e a iconografia tradicional estabelecida na arte cristã desde a Idade Media tardia. Desenvolveu a cena em dois registros, por um tipo de composição com precedentes italianos (1). No setor inferior representou aos discípulos adormecidos: João e Santiago o Maior, encarados entre si e Pedro a direita, em frente, com uma túnica azul e um manto amarelo. Apenas duas oliveiras truncadas, destacando-se na escuridão de uma gruta, separam essa zona mais sombria da superior, banhada pelo resplendor que descende sobre a figura de Cristo, rezando de joelhos, no momento em que se materializa ante ele um anjo com o caliz que da forma visual ao seu rogo: “Pai, se queres, aparta de mim este caliz; entretanto não seja feita a minha vontade, mas o que tu desejas” (Lucas 22, 42). A direita, o quebre do terreno constitui um recurso para abrir a representação a distancia e alocar, com uma abrupta mudança de escala, um grupo de pequenas figuras de contorno difuso, e em o último plano, a silhueta turva de uma cidade, Jerusalém, apenas visível sob a iluminação lunar.
Como em outras obras de seu período final, as pinceladas de pigmento branco recorrem à superfície pictórica, criando efeitos de iluminação arbitraria e irreal. As figuras e os objetos parecem ter perdido peso e sustância, y sua imprecisa definição fica a cargo das pinceladas, longas, quebradas ou em ziguezague. As formas que emergem da penumbra ou perdem sustância na luz, os contrastes de luz e sombra, as bruscas mudanças de escala, se unem para aumentar o dramatismo da cena e criar uma atmosfera carregada de alusões e presságios.
O Greco pintou varias versões deste tema a partir do final da década de 1580, em dos formatos: apaixonado primeiro e vertical depois de 1600, como na obra do Museu. Dentro deste estilo, se conhecem pelo menos seis exemplos, dos quais se conservam na igreja de Santa María de Andújar, em Jaén (óleo sobre tela, 169 x 112 cm), é considerado o de maior qualidade e provavelmente o primeiro deste estilo. Em todas as versões representou os mesmos personagens, em uma disposição semelhante e com as mesmas posturas. Reiterou a si mesmo o tratamento do espaço, das anatomias e as telas, da color e da luz. Nas versões verticais, o espaço, a pesar de seu carácter fragmentado e descontínuo, responde a um conceito mais naturalista que o das versões apaixonadas. O grupo dos apostoles, de maior tamanho, ocupa toda a zona inferior, em lugar de localizar-se em uma espécie de cápsula turva de baixo do anjo. Com esta mudança, o pintor os outorgou maior peso e protagonismo, destacando sobre tudo a figura de Pedro, por sua complexa postura e pelos elementos que o rodeiam, sob a forte carga simbólica: o tronco cortado da oliveira com uma impelida, talvez alusiva a Ressureição, e a rama de erva que se adere à roca, símbolo da persistência da fé (2). Enfatizou deste modo o papel destacado que teve Pedro nos episódios posteriores da Paixão, recordando seu arrependimento, tema frequentemente tratado pelo artista e um de seus prediletos – junto com o de outros santos penitentes– da religiosidade contra reformista.
Esta obra foi adquirida em Madrid em 1908, um ano significativa para a historiografia de o Greco, quando Manuel B. Cossío publicou sua monografia, (3) considerada o ponto de partida do conhecimento científico sobre sua vida y sua obra, que seguiu al redescobrimento e a valorização crescente de sua pintura durante o século XIX. Em 1928 o estudioso alemão August Mayer viu esta obra em Buenos Aires, a publicou e a incluiu no catálogo de O Greco. A partir de 1950 iniciou-se um trabalho de revisão do corpus atribuído ao pintor cretense e em 1962, Harold Wethey publicou o que é considerado até hoje o catálogo autorizado de sua obra, no qual conservou a pintura do Museu, apesar de algumas reservas sobre a provável intervenção do atelier (4).
Ainda que a obra esteja assinada, na atualidade apenas se observam alguns caracteres incompletos, já que nessa zona a capa pictórica encontra-se deteriorada. Tanto August Mayer em 1928 como Juan Corradini, quem restaurou a obra em 1957, aponta a existência da assinatura, com o nome completo em caracteres gregos: Doménikos Thetokópoulos. No entanto já devia ser pouco visível quando a obra ingressou ao Museu posto que em 1939, ao ser exposta em
Amigos del Arte, Eduardo Eiriz Maglione atribuiu-se seu descobrimento. Esta afirmação motivou uma controvérsia que tomou estado público a través dos meios de prensa de Buenos Aires (5). As notas aparecidas nos jornais representam um indicador da atenção que suscitava a obra de O Greco, que já se havia manifestado no âmbito de museus pela aquisição e pelo ato realizado em 11 de abril de 1937 à raiz de sua incorporação ao acervo da instituição.
por María Cristina Serventi
1— Harold Wethey, 1962, vol. 2, p. 30.
2— José Álvarez Lopera, “As lágrimas de São Pedro” em: Álvarez Lopera, 1999, p. 374.
3— Manuel B. Cossío, O Greco. Madrid, Victoriano Suárez, 1908, 2 vols.
4— Carmen Garrido, do Museu do Prado, especialista na obra de O Greco, viu esta pintura em Buenos Aires em 1999. Em 2002, a partir da observação das radiografias, indicou certas falhas na estruturação interna de algumas figuras, que indicaram a intervenção do atelier.
5— Na área de Documentação e Registro do Museu se conservam os recortes das notas jornalísticas aparecidas em outubro de 1939 em jornais como La Fronda, El Mundo, La Nación, Crítica, Noticias Gráficas, La Vanguardia, entre outros.
Bibliografía
1928. DEL VILLAR, Emilio H., Estudos hispânicos. O Greco em Espanha. Madrid, Espasa- Calpe, p. 109-110, lám. XIV, il. 20.
1930. MAYER, August L., “Ältere Europäische Kunst in Privatbesitz zu Buenos Aires”, Der Cicerone, Leipzig, nº XXII, p. 269- 270.
1931. MAYER, August L., O Greco. Berlin, Klinkhardt & Biermann, p. 120, il. 98.
1937. LEGENDRE, M. e A. Hartmann, Domenico Theotocopouli dit O Greco. Paris, Hypérion, p. 172. 1939. RINALDINI, Júlio, “A pintura espanhola”, O Mundo, Buenos Aires, a. 12, 4 de outubro, p. 6.
1950. CAMÓN AZNAR, José, Domenico Greco. Madrid, Espasa-Calpe, vol. 1, il. 629 (epígrafe: Museu Nacional de Arte Decorativa) y 630, p. 814-815, p. 818, p. 823-840; vol. 2, nº 105, p. 1362.
1956. CORRADINI, Juan, “A Oração no pomar das olivas do Museu Nacional de Belas Artes”, Ars, Buenos Aires, a. 16, nº 74, [s.p.].
1958. GAYA NUÑO, Juan Antonio, La pintura espanhola fora de Espanha. Madrid, Espasa- Calpe, nº 1434, p. 207.
1962. WETHEY, Harold, O Greco and his School. Princeton, Princeton University Press, vol. 1, il. 148; vol. 2, nº 35, p. 31.
1964. LARCO, Jorge, “A pintura espanhola na Argentina”, Lyra, Buenos Aires, a. 21, nº 192-194, [s.p.]. 1971. GUDIOL RICART, José, Doménikos Theotokópoulos. O Greco 1541-1614. Barcelona, Polígrafa, nº 213, p. 355.
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1993. ÁLVAREZ LOPERA, José, O Greco. A obra essencial. Madrid, Sílex, nº 205, p. 288.
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1999. ÁLVAREZ LOPERA, José (ed.), O Greco. Identidade e transformação. Creta. Itália. Espanha, cat. exp. Madrid, Fundação Coleção Thyssen-Bornemisza, p. 412. — PITA ANDRADE, José Manuel, “El Greco em Espanha”, em: José Álvarez Lopera (ed.), El Greco. Identidade e transformação. Creta. Itália. Espanha, cat. exp. Madrid, Fundação Coleção Thyssen-Bornemisza, p. 144.
2003. SERVENTI, María Cristina, Pintura espanhola (século XVI ao XVIII) no Museu Nacional de Belas Artes. Buenos Aires, Associação Amigos do MNBA, p. 64-69, reprod. cor.