Comentário sobre A volta do malon (La vuelta del malón)
La vuelta del malón foi celebrada como a “primeira obra de arte genuinamente nacional” desde o momento de sua primeira exibição na vitrine de uma loja da Rua Florida (a ferretearia e tintureira de Nocetti e Repetto) em 1892. Pintado com o expresso propósito de envia-lo a exposição universal com que se celebraria em Chicago o quarto centenário da chegada de Colón à América, o quadro foi exibido novamente em Buenos Aires esse mesmo ano na exposição preliminar do envio a Chicago. Na Exposição Colombina obteve uma medalha (de única classe) e ao regresso se exibiu novamente em Buenos Aires, no segundo Salão do Ateneu em 1894.
Foi à obra mais celebrada de Della Valle. Apresentava por primeira vez nas grandes dimensões de uma pintura de salão uma cena que havia sido um tópico central da conquista e da longa guerra de fronteiras com as povoações indígenas da pampa ao longo do século XIX: o saqueio dos povos fronteiros, o roubo de gado, a violência e o rapto de cativo. E o manejo da luz e a pincelada adverte a pista da formação de Della Valle em Florência: não somente a aprendizagem com Antonio Ciseri se não também o conhecimento dos
macchiaioli e os pintores do Ressurgimento italiano. Alguns críticos o vincularam com os grandes quadros históricos do espanhol, Ulpiano Checa que atingiu a fama por apresentar bárbaras cenas da historia da Espanha e do império romano. No entanto, o quadro de Della Valle entroncava com uma longa tradição não somente nas crónicas e relatos literários inspirados em
malones e cativos, mais também em imagens que, desde os primeiros viageiros românticos europeus que recorreram à região na primeira metade do século XIX, representaram cativos e
malones. Ea década de 1870, Juan Manuel Blanes também havia realizado algumas cenas de malones que aparecem como antecedentes desta obra. Quase nenhuma, no entanto, havia sido exposta ao público já que tiveram uma circulação muito restringida.
La vuelta del malón foi, então, a primeira imagem que impactou ao público de Buenos Aires referida a uma questão de forte valor emotivo e inequívoco significado político e ideológico.
Segundo refere Julio Botet, a partir de uma entrevista ao artista em agosto de 1892, o assunto do quadro inspirava-se em um malón levado pelo cacique Cayutril e o capitaneio Caimán a uma povoação não mencionada. Outro comentário (no jornal
Sud-América) localizava o episódio na povoação de 25 de Maio. Mas além da anedota o quadro aparece como uma síntese dos tópicos que circularam como justificativa da “campanha do deserto” de Julio A. Roca em 1879, produzindo uma inversão simbólica dos términos da conquista e a desapropriação. O quadro aparece não somente como uma glorificação da figura de Roca, mas, também na relação com a celebração de 1492, incita implicitamente a campanha de extermínio como culminação da conquista da América.
Todos os elementos da composição respondem a esta ideia, desdobradas com nitidez e precisão significativa. A cena se desenvolve em um amanhecer no qual uma tormenta começa a clarear. O malón aparece equiparado às forças da natureza desencadeadas (outro tópico da literatura de fronteira). Os cavaleiros levam cálices, incensários e outros elementos de culto que indicam que hão saqueado uma igreja. Os índios aparecem, assim, imbuídos de uma conotação ímpia e demoníaca. O céu ocupa mais da metade da composição, dividida por uma linha de horizonte apenas interrompida pelas cabeças dos guerreiros e suas lanças. Na escuridão desse céu destaca-se a luminosa cruz que um deles leva e a longa lança que impunha outro, como símbolos contrapostos de civilização e barbárie. Na montaria de dois dos cavaleiros vemos cabeças cortadas, em alusão a crueldade do malón. No extremo esquerdo destaca-se do grupo um cavaleiro que leva uma cativa branca seminua, apoiada sobre o ombro do raptor que se inclina sobre ela. Foi este o fragmento mais comentado da obra, às vezes em tom de gracejo, aludindo a sua conotação erótica, ou bem criticando certa inaptidão do aspecto (demasiado “civilizado” e urbano) da mulher e de sua pose com o resto da composição.
La vuelta del malón Foi levada a Exposição Colombina de Chicago pelo oftalmologista Pedro Lagleyze, amigo do artista, em meio da desorganização e dificuldades que rodearam esse envio oficial. Foi exibido no pavilhão de manufaturas, como parte do envio argentino, junto a caixas de cereais, lãs, coros, etc. Os poucos comentários que recebeu se referiram a cena representada como uma imagem das dificuldades que a Argentina havia conseguido superar para converter-se em uma exitosa nação agroexportadora.
Ángel Della Valle pintou uma versao reducida de
La vuelta del malón para presentear a Lagleyze ao regresso. Conhecida como “malón chico” há sido com frequencia tomada por um rascunho. Também pintou mais tarde alguns fragmentos isolados de sua grande tela: O grupo do guerreiro e a cativa e o índio que hastear a cruz.
Della Valle havia começado a pintar quadros de tema pampiano durante sua estadia em Florência. Em 1887 enviou a Buenos Aires varias obras, entre as que pode ver-se um índio a cabalo (
Na pampa) e
La banda lisa, que aparecem como aproximações prematuras ao assunto de
La vuelta del malón.A pintura foi solicitada pelo diretor do MNBA, Eduardo Schiaffino, a família do artista depois de sua morte em 1903; esta optou por doa-lo a Sociedade Estímulo de Belas Artes com o cargo de sua venta ao MNBA a fim de instituir um premio anual de pintura denominado “Ángel Della Valle” (1).
por Laura Malosetti Costa
1— Adquirido pela Direção do Museu em 1909 na suma de $5.000. O concurso foi regulamentado e se convocou em 1910. Cf. correspondência existente no registro da obra no MNBA.
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