Comentário sobre Depois da Batalha do Curupaytí (Después de la Batalla de Curupaytí)
Cándido López representou a guerra do Paraguai (1865-1870), na qual combateu até sua ferida em Curupaytí, por meio de uma pintura analítico-descritiva, derivada da representação de batalhas da cartografia militar europeia. Um modo de representação que havia tido seu desenvolvimento no Rio da Plata, alcançando um ponto sobressaliente nas pinturas de batalhas conhecidas como
Victorias de Urquiza (Palácio San José, Entre Ríos) pintadas por Juan Manuel Blanes em 1857.
A falta de profissionalismo de López (foi fotografo, soldado, sapateiro e trabalhador rural) em tempos de “artistas” o aproxima ainda mais ao passado da tradição regional, quando a “arte” era também tarefa de artesãos, soldados, tipógrafos e calígrafos. Rapidamente, López havia adquirido uma superficial formação pictórica na Buenos Aires da década de 1850 e não havia conseguido concretar seu desejo de aperfeiçoar talvez por isso, a fotografia em cidades do interior foi uma saída comercial a sua não inserção artística. No entanto, sua decisão estilística não é resultado de seu nível de aprendizagem se não da aceitação de um modo de representação visual da guerra, residual já nos tempos em que produz sua obra. A eleição formal permite a leitura da guerra da Triple Aliança como o último episódio das guerras civis, tanto como o conflito militar para a fixação dos limites dos Estados-nações. Deste modo, sua pintura é o último laço com a tradição regional e a primeira que serve funcionalmente ao nacionalismo moderno (1).
A ideia de representar as experiências da guerra, teve sua origem durante a campanha, como testifica sua liberdade de esboços. Porem são fatores externos, as crises económicas de 1876 e 1890, que impulsaram o artista a completar a tarefa com intensidade. A pintura foi sua ferramenta de reclamo, equiparável a ação pública dos veteranos, ao pedido dos salários e pensões; e por meio dela conseguiu incorporar-se ao sistema clientelista da ordem conservadora logo de sua ressonante exposição de 1885 no Clube Ginásio e Esgrima, com o patrocínio do Centro Industrial Argentino (duas instituições do nacionalismo finissecular). Tanto a mostra individual como sua aquisição completa pelo Estado são casos excepcionais na historia da arte argentina do século XIX. López apresentou nesta mostra 29 pinturas do ano exato da guerra: de 13 de agosto de 1865 ao13 de agosto de 1866. É provável que a condição de inválido do artista haja influído na repercussão pública: tratou-se da observação do pintor manco que adestrou a mão inábil, como se fosse um daqueles fenómenos dos espetáculos populares do século XIX.
Muitos dos quadros foram elaborados a partir dos croquis e notas do artista durante a guerra (Álbum de desenhos nº 2, MNBA) e acompanhados com textos explicativos dos sucessos, os cenários e as tropas (2). A transposição dos desenhos de seu caderno ao formato pintura implicava a aplicação de cor, ausente naquelas. Necessariamente devia remitir-se a memoria emotiva e a aprendizagem juvenil com os pintores italianos para pensar a cor sobre modelos visuais em branco e preto.
O conjunto de obras ingressadas em 1968 ao MNBA, a maioria de sua pintura posterior à exposição de 1885, permite que o mais importante de sua produção pertença ao patrimônio estatal. Entre estas se destaca a série de nove pinturas sobre Curupaytí realizadas entre 1893 e 1902. Na pintura de principio dos anos noventa já se observa certo maneirismo, como se López fosse consciente de que sua maneira distintiva de representar a guerra era diferenciar-se radicalmente da pintura académica, se pode dizer que através do predomínio dos detalhes anedóticos frente ao assunto unitário centrado em um exemplo virtuoso. Talvez, a literatura anedótica sobre a guerra do Paraguai potenciou o desejo de continuar o relato visual. Neste sentido, López sinalou seu interesse em ilustrar episódios narrados por José Ignacio Garmendia. Além disso, o pintor consultou a literatura sobre a guerra do Paraguai, especificamente os livros de León de Pallejá e Thompson, pero também a escritura paraguaia, Juan Silvano Godoi e Juan Crisóstomo Centurión.
Después de la batalla de Curupaytí, ainda que por seu assunto fecha a narração cronológica do episódio bélico, foi realizada em um primeiro grupo de 1893 junto a
Asalto de la 3ª columna argentina a Curupaytí (inv. 7129) e
Trinchera de Curupaytí (inv. 7118), ao ano seguinte realizou
Asalto de la 2ª columna brasileña a Curupaytí (inv. 7125). Uma narração bastante fechada em si mesma, com os fatos fundamentais já representados: os assaltos infrutuosos dos aliados, a defensa paraguaia e a imagem sangrenta da derrota. As restantes obras as realizaram episodicamente, completando a representação das quatro colunas que intervieram no ataque e no bombardeio da esquadra as fortificações inimigas: em 1897,
Asalto de la 1ª columna brasileña a Curupaytí (inv. 7119), em 1898
Asalto de la 4ª columna argentina a Curupaytí (inv. 7123); em 1899 outra
Trinchera de Curupaytí (inv. 7126), em 1901
Ataque de la escuadra brasileña a las baterías de Curupaytí el 22 de septiembre de 1866 (inv. 7117) e curiosamente a última, de 1902, é o episódio inicial:
Marcha del ejército argentino a tomar posiciones para el ataque a Curupaytí, el 22 de septiembre de 1866. Novamente um olhar temporal a guerra como na série pintada entre 1876 e 1885. É interessante notar que o lapso temporal entre ambos os grupos de Curupaytí coincide com os anos de aparição do
Álbum de la Guerra del Paraguay, publicação quinzenal ilustrada e editada entre 1893 e 1896, com imagens do conflito realizadas por outros artistas (3).
A eleição de privilegiar
Después de la batalla de Curupaytí, em um conjunto de similar qualidade plástica, é para remarcar sua singularidade narrativa: é o primeiro episódio no qual o artista se corre do carácter de testemunho e ao mesmo tempo relata a tenção de em ferido sob fogo inimigo; haveria podido ser um daqueles cadáveres saqueados. Mas especialmente é a imagem que, em toda sua obra, representa a devastação da guerra depois do fato armado sem carga moral (na série de Tuyutí do Museu Histórico Nacional, por exemplo, os detalhes sangrentos são parte da ação militar). Sobressai, então, dentro de uma narrativa bélica na que predomina a cotidianidade dos acampamentos (como na estupenda
Vista interior de Curuzú mirado de aguas arriba, 1891, inv. 7128, MNBA) os movimentos de tropas em desembarco e passagens de rios e arrojos.
Cándido López escrevia descrições dos episódios representados, para
Después de la batalla de Curupaytí seu texto é um dos mais breves: “Obedecendo ao toque de retirada, as tropas o iniciaram sem ser perseguidas pelo inimigo. Quando ao alcance do desfiladeiro não ficou um só soldado aliado, o regimento nº 12 de infantaria paraguaio saiu das trincheiras a coletar a pilhagem” (4).
por Roberto Amigo
1— Cf. Roberto Amigo, “El alba con la noche” em: El alba con la noche, cat. exp. Assunção, Centro de Artes Visuais- Museu do Barro, 2009, p. 6-14.
2— Catálogo descritivo da coleção de quadros históricos representando batalhas, acampamentos e episódios pelo pintor argentino Cándido López exibidos no ano 1885 sob a proteção do Centro Industrial Argentino e o Clube de Ginásio e Esgrima. Oferecido ao Honoravel Congresso Argentino com um testemunho do general Bartolomé Mitre e vários artículos da prensa. Buenos Aires, impressão e litografia de Stiller & Laass, 1887.
3— Ver: Roberto Amigo, “Representar la Guerra Guasú: Cándido López, Adolf Methfessel, Modesto González, José Ignacio Garmendia” em: La épica y lo cotidiano. Imágenes de la Guerra Guasú, cat. exp. Corrientes, Museu Provincial de Belas Artes Dr. Juan R. Vidal, 2008, p. 10-17.
4— Transcrição do documento em Dujovne, 1971, p. 33.
Bibliografía
1949. PAGANO, José León, Cándido López. Buenos Aires, Ministério de Educação, Subsecretaria de Cultura, il. 63.
1971. DUJOVNE, Marta y Marta Gil Solá, Cándido López. Buenos Aires, Associação Amigos do MNBA, p. 33, il. 8.
1982. Cándido López. Inauguración Sala Permanente. Buenos Aires, MNBA, folheto [nº 7].
1984. ROA BASTOS, Augusto y Marta Dujovne, Cándido López. Milão, Franco Maria Ricci, p. 159, reprod. color detalhe p. 107.
1993. GLUSBERG, Jorge e Patricio Lóizaga, Cándido López: fragments and details / fragmentos y detalles. New York/Buenos Aires, New York University/Fundación Banco Crédito Argentino, p. 65, reprod. color detalhe. — Cándido López. Portraits. Vida y obra de artistas eminentes. Buenos Aires, Americana de Publicações, reprod. color.
1998. PACHECO, Marcelo E., Cándido López. Buenos Aires, Banco Velox, p. 300-307, reprod. color.